quarta-feira, 20 de junho de 2012

Um sorriso sem dente alegrou o meu dia

Desde que comecei a trabalhar em um hospital aprendi a superar muitos dos meus medos. E passei a compreender melhor o medo dos outros. São dias em um quarto diferente do seu, você procura aquela rachadura na parede que o faz pensar toda noite antes de dormir, seu ponto de fuga. Onde estão as fotos da última viagem? Seus livros? Seu computador? Seu corpo não se encaixa na cama e a estranha. Não é a sua. Você está internado em um hospital. Todos essas estranhezas me causavam medo. Fora toda aquela questão de medicamentos, convivência direta com novas vidas e também com a morte. Com a dor e com o milagre de continuar vivendo.

Se para um adulto já é difícil, imagina para uma criança. Não sabe falar, não sabe andar, tem a mãe, mas quer o pai, os irmãos, os avós. Todo mundo. Quer a sua casa, seus brinquedos. Foi no meio dessas crianças que presenciei os mais belos sorrisos de esperança e alívio que fizeram o meu dia muito especial. Na ala infantil, vi crianças que mal vieram ao mundo, deitadas agora em berços que já não levam mais sorrisos aos pais, pois não anunciam a chegada de uma nova vida. 

No dia anterior fiz uma visita aos meninos da ala para entregar presentes doados. Lucas foi o primeiro a receber, e confesso, o mais empolgado. No colo da mãe se retorceu para ver os carrinhos de fórmula 1 com controle remoto. Chegou a largar a mamadeira! O menino, antes choroso, passa emitir sons de ansiedade. Queria logo pegar os carrinhos. Hoje voltei à ala infantil para entregar os presentes das meninas. Eu mesma escolhi. Bonecas e joguinhos de panela. 

Mais uma surpresa. Uma menina, com menos de um ano. A mãe recebe o presente, enquanto a bebê dormia, e diz: - Que bom! O brinquedo que ela tinha quebrou. - Era o único brinquedo que a menina tinha. Agora ela tem um novo, entregue por mim junto com um balão com desenho de uma carinha alegre. Não posso nem descrever o sentimento que tive na hora. Não foi pena. Talvez um pouco de esperança de que ela recebe novos presentes no futuro. Fui para cama ao lado. Lá estava Isa. Ela havia ficado um tanto intrigada com a chegada do presente para os meninos e nada para ela. O que estava acontecendo? Hoje foi a vez dela. Uma boneca e um joguinho de panelas, sem esquecer o balão. Isa parecia outra criança. O abatimento sumiu de seu rosto, seus olhos não paravam de brilhar na direção daquelas novidades todas. O olhar desconfiado que ganhei ontem, foi substituído por um beijo hoje. 

Por último, foi a vez da pequena Alana. Ansiosa para ir embora, ela ia para porta e chamava a mãe para ir para casa. Na primeira vez que a visitei no dia, entreguei um balão que não lhe chamou muito a atenção, mas ao mostrar a sacola com uma boneca e o joguinho de panelas, posso dizer que viramos amigas. A cama que antes não a agradava, agora era a casa da boneca. Nessa hora, a pequena Alana esqueceu que queria ir embora. 

Mas ninguém resiste ao sorriso sem dentes de Pedro. O pequeno brincalhão havia ido tão depressa para o hospital que acabou esquecendo seus brinquedos. Problema resolvido, Pedro! Entreguei uma espadinha de plástico, sem ponta para que não se machucasse, ao que ele agarrou com força e soltou uma gargalhada. E foi uma gargalhada atrás da outra quando resolvi brincar de guerrinha de espadas com ele. 
Como é bom conviver com a esperança. Com o choro que vira sorriso em menos de um minuto. Com o olhar ansioso de uma criança esperando o presente, por mais simples que seja. Espero que todos voltem para casa logo, com saúde e essa disposição encantadora. Mas confesso que vou sentir falta desses sorrisos  sem dentes, ou com alguns nascendo aqui e ali. 

Um comentário:

  1. Que belo trabalho. Que belo perceber que ele está fazendo bem a ti e que estás feliz. Lindo texto.

    ResponderExcluir